8 de abr. de 2009

Superação de Limites - Claro de Luna


Cheguei em Chalten derrotada com os dois dias de porteio que eu e Sblen fizemos. Uma notícia boa, mas nem tanto, me esperava e foi só ver o brilho nos olhos do Berna para saber que tínhamos uma janela pela frente. O problema era que a janela requeria que a gente começasse a subir no dia seguinte e apesar de minha mente e coração dizerem sim, meu corpo dizia não!

Fui dormir com a grande dúvida se eu ia ou não escalar. A janela era boa, muito boa! Era, na verdade, uma janela perfeita para tentar a Claro de Luna, na Saint Exupéry, uma via de 800 metros com dificuldade constante de 6º, muitos 7º e crux de 7c. Mas meus pés reclamavam das bolhas e meu corpo inteiro doía. Será que eu iria conseguir escalar desse jeito? Minha mente fervilhava com essa questão, mas não demorou muito para o cansaço vencer e eu cair em um sono profundo. No dia seguinte, não tive dúvidas que iria tentar. Não sabia se ia conseguir ou não, muitas coisas me diziam que não, mas queria tentar de qualquer jeito. Conversei com o Berna sobre isso e ele topou subir comigo assim mesmo. Sblen, com os pés destroçados de tantas bolhas sinistras, não iria com a gente.

Arrumamos as mochilas e partimos para Bridwell, um acampamento a 2 horas de Chalten. Minha mochila pesava muito no meu corpo cansado. Não é que ela estivesse muito pesada, afinal o Bernardo estava com uma mochila bem mais pesada do que a minha, mas eu estava acabada. Mas chegamos em Bridwell, comemos e dormimos para sair no dia seguinte para o próximo bivaque, no pé da Saint Exupéry.

A mochila foi muito bem arrumada para começar o dia com a tirolesa sobre o Rio Fitz Roy. O Rio adora engolir equipamentos nas triolesas; um amigo perdeu a sapatilha e a headlamp e eu não queria perder nada. Depois da tirolesa, uma subida tranqüila pela floresta até que começamos a descer para o glaciar através de morenas (elas de novo!).

O primeiro glaciar passou rápido. As gretas eram bem visíveis e Berna conhecia bem o caminho e depois de muito pula greta e sobe e desce, a gente chegou na morena que liga esse glaciar ao segundo glaciar (o da Adela). Nesse segundo glaciar, que leva ao vale do Torre, tem o desafio extra de cruzar dois rios, mas o primeiro não nos apresentou dificuldade nenhuma. O segundo rio era fundo e com correnteza forte e começamos a jogar pedras em seu curso para tentar criar um lugar onde botar o pé, mas todas as pedras, independente de seu tamanho, eram levadas pela corrente. O jeito foi pular rapidamente para o outro lado, tentado molhar apenas um pé.

O vale do Torre está incrustado entre o cordão do Fitz e o cordão do Torre e é por ali, nessa meiuca de montanhas maravilhosas, que percorríamos os últimos quilômetros de glaciar e morenas para chegar a Nipo ninos. Nipo ninos é um bivaque que foi criado por acaso por uns escaladores que não conseguiram achar o bivaque buscado. O que existia até então era o bivaque noruegos para quem ia escalar no cordão do Torre (Torre, Egger, Standart e Media Luna) e o bivaque polacos para quem ia escalar no cordão do Fitz (de la S, Saint Exupéry, Raphael, Desmochada, Silla e Poincenot). Mas os escaladores ficaram no meio, lá embaixo no vale, criando o bivaque Nipo ninos (ni polacos ni noruegos). Depois de comer e pegar os equipamentos que tinham sido deixados aqui pelo Berna, nos pusemos a andar novamente, em direção a nosso destino: um bivaque na base da Saint Exupery. Agora sim minha mochila estava pesada.

A subida demorou duas horas, mas finalmente chegamos ao final da nossa jornada desse dia. Estávamos bem próximos à base da Claro de Luna e o tempo estava perfeito: céu azul e (incrivelmente) sem vento e ainda tínhamos tempo de cozinhar, comer e arrumar as coisas com luz. Demos uma boa olhada na linha da via, e nos colocamos dentro de nossos sacos de dormir para uma noite sob o olhar atento do Cerro Torre e seus satélites. Mas que lugarzinho lindo!

O despertador tocou às 5 horas da manhã. Nossa noite não havia sido das melhores, pois as diversas pedrinhas presentes no chão não deixavam nossa “cama” tão confortável quanto gostaríamos. Mesmo sem vento, o frio era grande e sair do calor do saco de dormir era o primeiro desafio do dia. Logo começou a clarear e pudemos desfrutar de um lindo amanhecer, um dos mais bonitos que já presenciei. Estávamos alto no vale do Torre e era ele mesmo, imponente do outro lado do vale, que nos mostrava em seus íngrimes paredões rochosos os primeiros raios de sol.


Engolimos nosso café da manhã e fomos para a escalada. Chegamos na base e já tinham duas cordadas na nossa frente, éramos a terceira cordada na mesma via. Longe de ser o ideal em um lugar comum, essa colocação pode ser um pesadelo na Patagônia. O casal que estava na frente escalava relativamente rápido, mas demorava horas nas paradas e nos procedimentos. Já na primeira parada da via, ficamos mais de uma hora esperando no frio. Eu e Bernardo nos entre olhamos e falamos: vamos para o cume!

Revezamos algumas poucas enfiadas. A via era bem difícil e como precisávamos de agilidade, Bernardo era a pessoa indicada para guiar. Além disso, meu cansaço era monstruoso, afinal era o 5º dia seguido de muito exercício. Só que, a responsabilidade de carregar a mochila era, obviamente, do participante (eu na maior parte da via) e nossa mochila não estava nada leve. Na verdade, o peso era tão grande, que na segunda parada, jogamos quase 2 litros de água fora e subimos apenas com 2 litros para nós dois. Mesmo assim, todos os casacos e outras roupas de frio, mais a comida e a água ainda deixavam a mochila um trambolho grande e pesado. E assim eu subia, lutando contra a gravidade que me puxava para baixo em cada movimento em que eu tinha que levantar o meu peso e o da mochila.


Os metros e o tempo foram passando, mas o casal não andava mais rápido e nossa paciência foi se esgotando. Sem dúvida nenhuma, nós éramos a cordada mais rápida da parede e estávamos em último lugar e não havia oportunidade de passar. Já havíamos escalado 2/3 da via e eram 4 e meia da tarde, hora que pensamos que estaríamos no cume, quando uma cordada ofereceu para a gente passar e a outra decidiu descer. Novamente, eu e Berna nos olhamos e sem nem pestanejar falamos que íamos para o cume. Descer com o tempo bom do jeito que estava não era uma opção para a gente.

Olhamos para cima e pela primeira vez no dia vimos a parede somente para a gente. Não hesitamos e escalamos com muita eficiência, “comendo pedra” e passando por lances sensacionais que faziam do nosso dia uma experiência ainda mais incrível. Subimos quatro enfiadas enquanto que o casal que nos retardaram tinha subido apenas uma, ainda bem que os passamos. Eu não cogitava mais em guiar, o lance era subir rapidamente para aproveitar toda a luz que tínhamos. Além disso, a fadiga tinha tomado conta do meu corpo. Várias vezes, Berna me ajudou com a corda, quase me rebocando em algumas passadas para que eu conseguisse subir mais rápido. Nunca havia escalado assim, sendo rebocada, mas ali era necessário, pois rapidez e eficiência na Patagônia são sinônimos de segurança.



Chegamos ao cume as 7:30 da noite, muito felizes! Dali, a vista era maravilhosa: ao leste, Chalten nos dava as boas vindas; ao Sul, a pequena de La S nos avisava que estávamos ainda bem alto e que isso era metade do caminho; ao Norte, o Fitz imperava sobre todos nós, e ao oeste, o vale do Torre nos chamava de volta. Mal ficamos no cume, pois tínhamos um longo caminho até o bivaque e queríamos aproveitar cada segundo de luz.

Rapelamos como escalamos: com eficiência e segurança. Eu abrindo o rapel e Berna me seguindo com a mochila (por fim, me livrei dela!). Chegamos na base do rapel e escureceu, eram 11 horas da noite. Ainda tínhamos um bom caminho desconhecido até o bivaque, que percorremos com segurança, montando rapeis para passar as partes mais complicadas e descendo cada metro com muita atenção.

Chegamos ao bivaque a 1 da manha, exaustos e felizes. No dia seguinte, voltamos os 20km até Bridwell. A ideia era passar reto e ir para Chalten, mas a barraca nos “engoliu” e resolvemos ficar por ali mesmo e continuar o caminho no dia seguinte. Vimos as fotos de todas as aventuras até então, relembrando momentos preciosos e engraçados enquanto escutávamos e cantávamos Legião, Paralamas e outros sucessos da década de 80 no Ipod do Berna.

A sensação era maravilhosa: havíamos escalado uma via incrível que já foi considerada uma das 10 melhores do mundo e tudo tinha dado certo. Aprendi muito sobre superação, pois realmente não sabia se iria conseguir fazer essa escalada pelo estado desgastado em que me encontrava, mas minha determinação falou mais alto e consegui ir além dos meus limites. Aprendi muito sobre parceria na montanha, pois não teria conseguido se não fosse a ajuda do Berna que além de ter carregado mais peso, me rebocado no final da escalada, me estimulava a continuar com sua determinação, energia positiva e vontade de chegar ao cume. Valeu, Berna!!!!!!!!!

Equipo:
Friends: 1 jogo de camalots até o camalot 4 , (incluindo os pequenos e o 00) e repetindo do 0.75 até o 3.
1 jogo de Nuts
2 cordas duplas
16 costuras
Cordeletes para abandono

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